sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Para Sade, um retorno relutante aos holofotes


Tradução livre:

Quando um homem da estação de rádio perguntou a Sade o que ela havia feito nos 10 anos de intervalo entre álbuns, ela lhe disse: "Estive numa caverna e só agora consegui sair."

Ela ria enquanto contava a mudança, com os pés aconchegados no sofá de sua casa georgiana em Islington, no norte de Londres.

Uma chuva de janeiro castigava as árvores por trás da janela da sala de estar, no segundo andar, ao final de uma escada graciosamente sinuosa. Sade, uma figura esguia de calças pretas e um suéter preto com gola em V, tornava tudo aconchegante, alimentando a lareira com gravetos que estalavam com o fogo. Uma entrevista sobre seu novo disco, Soldier of Love (Epic) -apenas seu sexto álbum de estúdio desde sua estreia em 1984, lançado na terça-feira (9)-, se alongou para uma conversa de quatro horas.

"Não tinha absolutamente nenhuma percepção real, propriamente, do tempo", disse Sade, 51, que nasceu Helen Folasade Adu, em Ibadan, Nigéria. O pai era um professor universitário nigeriano de economia; a mãe era uma enfermeira inglesa e a criou na Inglaterra rural após o divórcio do casal. A voz de Sade durante a conversa era ainda mais baixa do que a rouquidão de suas canções, baladas de suavidade elegante que venderam mais de 50 milhões de álbuns no mundo inteiro.

Os sucessos de Sade, como Smooth Operator, No Ordinary Love e The Sweetest Taboo, eram onipresentes nas décadas de 1980 e 1990 e saíam dos rádios para criar a atmosfera de incontáveis lounges, restaurantes e butiques. Sade surgiu na era do vídeo musical (seu primeiro álbum, Diamond Life, surgiu um ano depois do álbum de estreia da Madonna), quando estrelas do pop acreditavam que, para sustentar suas carreiras, precisavam se expor o máximo possível na mídia. Ao invés disso, Sade se retraía, deixando que as músicas a definissem. Foi uma decisão que pode, ao fim, tê-la tornado mais querida. Seus fãs não a esqueceram: pré-encomendas tornaram Soldier of Love o número 2 no ranking de vendas da Amazon na semana passada.

Para a indústria musical, Sade talvez tenha mesmo estado em uma caverna depois de 2002, quando ela e sua banda terminaram a turnê do álbum de 2000, Lovers Rock. Ela desapareceu dos palcos, capas de revistas, colunas de fofocas e outras zonas de promoção de celebridades, embora tenha contribuído com uma música no DVD beneficente Voices for Darfur.

"A maioria dos artistas são maiores em sua personalidade pública do que em sua personalidade privada, e eu diria que com Sade é quase o oposto", disse Sophie Muller, amiga que a conheceu no Central Saint Martins College of Art and Design e mais tarde se tornou sua diretora de vídeo e, em Soldier of Love, fotógrafa do encarte. "Ela por inteiro não está disponível para consumo público."

Muller continua: "De alguma forma, a ideia de se tornar uma cantora e criar música se confundiu com ser uma personalidade internacional. Ela bravamente decidiu que não precisa fazer a outra coisa. Não é que ela tenha pensado numa decisão, 'Vamos ser mais misteriosos'. É só o jeito dela."

Sade havia marcado uma reunião com seu agente para depois de nossa conversa, sabendo que ele tentaria orientá-la para esforços mais promocionais. Talvez ela estivesse procrastinando.

"Adoro compor", disse. "Mas então, indo além, acho um pouco difícil a coisa de me abrir para tudo que vem junto com a indústria musical em geral, as expectativas e pressões que colocam sobre você. Algumas pessoas adoram todos os acréscimos e tudo mais que vem junto. Mas acontece que não sou uma dessas pessoas."

Mesmo enquanto trabalhava em Soldier of Love, disse ela, "eu avançava com certo medo. Não estava ávida por retornar e ser novamente reconhecida."

Embora dizendo que sua vida foi "uma viagem numa montanha-russa irregular" nos últimos anos, ela está "bem feliz agora, na verdade". O álbum é, em parte, "uma purificação de todas as coisas que aconteceram", disse. "Existe muita história minha no álbum, de uma maneira ou de outra. Não é tudo sobre mim, mas tem pedacinhos de mim lá."

Conversando, Sade tem uma risada fácil e um senso de humor casual. Mas ela é cuidadosa para não ser "franca demais" com a imprensa, guardando a privacidade de pessoas próximas a ela, passadas ou presentes.

Para Sade, reticência é uma questão tanto de temperamento quanto de estratégia de composição. "Esse é o truque de certa forma, como uma feitiçaria", disse. "Você precisa deixar que muita coisa entre ali. Mas aquilo não é só seu, porque senão é informação demais, e, ao ouvir a música, você estará pensando na pessoa ao invés de suas próprias emoções."

"Se for muito ligado ao artista", acrescentou, "te afasta, é um pouco repulsivo. Porque é dele, não teu."

O novo álbum não muda radicalmente o som de Sade, que também é o nome da banda que lidera desde 1983, com Stuart Matthewman na guitarra e saxofone, Andrew Hale nos teclados e Paul Denham no baixo. Soldier of Love é outra coletânea de músicas lentas e meditativas, a maioria em tons menores, frequentemente ponderando sobre amores perdidos e jornadas incertas. A banda se orgulha por ser habilidosa mas não ostentatória, e mesmo os esquemas mais elaborados do álbum passam por modestos.

A primeira música, Soldier of Love, é o mais próximo que Sade chega do atual R&B, com percussão marcial, pulsar subterrâneo do baixo, mudanças súbitas de samples e cordas melancólicas. O restante do álbum é mais gentil, resumindo e sutilmente atualizando a fusão contida que Sade faz de R&B, reggae, jazz e pop.

Mas, de sua própria e tranquila maneira, muitas das canções de Soldier of Love trazem uma nova desolação. A música de Sade começou como uma versão britânica do soul americano de Donny Hathaway e Curtis Mayfield nos anos 1970, normalmente projetando uma reserva serena que tranquilizava e atraía ouvintes. Agora, parte daquela reserva desapareceu. No novo álbum, a voz de Sade mostra mais dor e vulnerabilidade, se aproximando mais do que nunca do blues.

Canção após canção declaram-se dor, solidão e desejo por refúgio.

"O chão está cheio de pedras quebradas/A última folha caiu/Não tenho para onde ir", Sade canta em Bring Me Home, uma triste melodia sobre uma batida de hip hop. Na música que encerra o álbum, The Safest Place, ela oferece sua própria afeição como um santuário: "Meu coração já foi um guerreiro solitário antes/Então você pode ter certeza."

Nos últimos cinco anos, Sade tem o que chama de "parceiro", Ian Watts. Eles vivem juntos em Gloucestershire, no oeste rural da Inglaterra, onde cuidam de Ila, filha de 13 anos de Sade, e Jack, filho de 18 anos de Watts. Sade está pensando em casamento. "Tenho muito arrependimento com tempo perdido e todos os erros do passado", disse Sade, que se divorciou do cineasta espanhol Carlos Pliego em 1995. "Mas existe algo adorável em saber que, quando a coisa está certa, você realmente sabe que é certo porque já passou por todo o errado."

Sade passa a maior parte do tempo no oeste inglês, apenas ocasionalmente dirigindo seu Volvo até Londres. Em sua casa de Islington, havia lençóis sobre alguns móveis e velhas fitas cassete ao lado de livros de arte e fotografia nas prateleiras. Para Sade, a última década foi ocupada principalmente por assuntos domésticos: jardinagem, maternidade, construção da casa (agora quase pronta) em Gloucestershire, cuidados a um doente terminal que ela se recusa a identificar. "Se você tem um amigo doente, ou alguém que você ama está morrendo, dizer 'Até mais tarde, vou para o estúdio' é algo que não dá para fazer", disse. "Não era importante o suficiente para mim naquele momento."

A filha acompanhou Sade na turnê de 2002, mas a cantora a botava para dormir antes de subir ao palco. "Ela nunca me viu cantar", disse Sade. "Ela, aquela coisinha minúscula, ali de pé, com a mamãe no palco na frente de toda aquela gente? Achei que seria estranho demais para ela." Há alguns anos, Ila lhe perguntou, "Mamãe, você é famosa?", lembra-se Sade. "Agora, ela tem plena certeza e consciência de qual é a situação" (Ila Adu e o filho de Matthewman, Clay, integram o vocal de apoio da música Babyfather).

Sade hesitou em voltar a compor. "Aquele sentimento de revelação, de exposição emocional", disse, "aquilo era algo que me segurava, subconscientemente, de voltar a fazê-lo. Mas aquilo não era tudo o que sou, e não era só sobre mim, e a única maneira que consigo esquecer é compondo."

Ela começou com cautela. Os integrantes da banda haviam se dispersado nos anos 1980 e 1990 - Matthewman em Nova York, Denman em Los Angeles, Hale em Londres -, e Sade achava que fazê-los viajar para trabalhar seria um compromisso grande demais de início. Por volta de 2005, Sade começou a trabalhar com Juan Janes, violonista argentino que vive em Londres, no estúdio no porão de sua casa em Islington.

Os dois compuseram Mum, sobre as atrocidades em Darfur, para o álbum beneficente e versões iniciais de Babyfather e Long Hard Road para o novo álbum. Com a mudança para Gloucerstershire, a colaboração extinguiu-se, mas, ao final, a banda, os amigos e a família empurraram-na em direção à música novamente. Contribuiu a possibilidade de Watts poder cuidar de sua filha enquanto ela se escondia no estúdio de gravação.

"Não senti a pressão dos anos passando, na verdade", disse Sade. "Só o desejo da banda de gravar um disco". Os membros da banda insinuavam e esperavam. "Sempre irei largar tudo para trabalhar com ela", disse Matthewman de seu estúdio de gravação em Nova York. A banda se reencontrou em 2008, a primeira vez juntos desde a turnê.

Desde seu segundo álbum, a Sade criou músicas de uma maneira que é hoje um luxo do passado para a maioria das bandas: compondo em grupo dentro de um estúdio totalmente equipado, espontaneamente, ao invés de levar canções finalizadas para aperfeiçoar. Durante uma ou duas semanas numa época, e depois por períodos mais longos, os membros da banda viveram no residencial Real World Studios, de Peter Gabriel, em Wiltshire. Matthewman se lembra de Sade instruindo: "Não diga à gravadora".

"Preciso escapar das realidades mundanas da vida cotidiana para ir e cavar dentro de mim", disse ela, acrescentando que no Real World "não dá para simplesmente dizer 'não posso trabalhar, tenho que fazer o jantar¿. Você não tem outra opção senão encarar os demônios."

Quando Sade fala sobre compor músicas, ela se torna mística. É "alquimia", uma "experiência extracorpórea", uma tentativa de preservar as percepções daquele "momento etéreo" entre a vigília e os sonhos. E com a banda trabalhando em conjunto num lugar em que pode gravar a qualquer momento, "somos capazes de capturar isso em estúdio, capturar tecnicamente no instante certo para soar certo", disse Sade. "É quase uma igreja, porque quando você entra naquele recinto, você sabe qual seu propósito, você sabe o que vai fazer ali e não precisa carregar nada que não queira lá pra dentro."

A banda não teve pressa. "Se você faz só um álbum a cada 10 anos, é melhor que ele seja bom", disse. Em certo momento, executivos da Sony Music souberam que Sade estava novamente trabalhando e quiseram que o álbum fosse lançado antes do Natal de 2009. Esse prazo passou. Sade disse que está mais feliz por ressurgir em um novo ano e uma nova década. A banda finalizou a última versão de Skin -canção sobre um rompimento relutante, com violões acústicos e os vocais harmônicos de Sade em primeiro plano e sons estranhos eletrônicos e percussivos à distância- por volta das 5h da manhã do dia em que outra banda havia reservado o Real World.

Um álbum precisa de uma fotografia de capa, e Sade relutou de início em aparecer nela. "Todos ao meu redor disseram que eu estava louca", lembra-se. O acordo foi uma foto com ela de costas, apreciando ruínas maias. "Você não está olhando para mim", disse ela esperançosa. "Você está avaliando a jornada à frente e a história."

Em um quarto de século de gravações, Sade escutou diversas vezes sobre como a mistura de lamento e consolo de suas músicas levou conforto a seus fãs. "Se for como um farol que guia alguém pelos rochedos, isso é ótimo", disse ela.

O próximo passo para a Sade envolve algumas apresentações na televisão da música Soldier of Love, incluindo o baterista Peter Lewinson, repetindo o que a banda fez na turnê de 2002. No futuro, a Sade pretende engatar uma turnê.

"Realmente quero subir no palco e cantar as músicas", disse ela. "Mas, depois, só vou querer desaparecer de novo."

The New York Times

BY: Margareth (Mag)

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